A matriz afro e os elementos formais
17.11 — 28.01.17
Antonio Dias

Gigante dormindo e cachorro latindo, 2002
Bronze policromado
15 × 29 × 43 cm

Artistas

Diante da história e do desenvolvimento de um país cuja riqueza cultural é múltipla e diversa, a exposição A matriz afro e os elementos formais é uma pesquisa que pretende identificar, na arte feita no Brasil, a presença de aspectos estéticos e meramente formais herdados de culturas africanas, relacionando a origem e o alcance destes elementos independentemente da região, época ou ascendência dos artistas.

A exposição apresenta diferentes suportes como desenhos, pinturas, relevos de parede, tecidos e esculturas, revelando conexões estabelecidas entre as obras, por meio de padrões geométricos, formas e signos.

Na obra Tabom Concreto de Rodrigo Garcia Dutra, por exemplo, as tramas e padrões geométricos apropriados de um tecido africano — Kente — como matriz para suas frotagens a carvão atuam mais no campo da abstração geométrica, uma espécie de resgate que o artista associa a elementos do concretismo, como formas atávicas. Já em Martinho Patrício, as dobraduras de linho com renda branca são geometrismos que se assemelham às máscaras africanas, ao mesmo tempo em que podem ser vistas como formas do sexo feminino ou até como a renda presente na indumentária religiosa. A leitura desta obra ainda pode associar-se a alguns conceitos neo-concretos, uma vez que sugere a quebra da racionalidade e nos conduz ao sensorial. Esta investigação, contudo, busca encontrar tais aspectos na produção artística de distintas gerações até onde é possível identificá-los, observando apenas formas e elementos que podem associar-se a símbolos e padrões.

Neste sentido, podemos dizer que a produção de Rubem Valentim do início dos anos 1960 pode se inserir no contexto concreto com sua abstração geométrica a partir de elementos associados à rica simbologia dos orixás. Triângulos, círculos, meia-lua e setas, compõem um simétrico plano com cores chapadas referentes às entidades. No entanto, tal associação ao concretismo se nota devido ao contexto da época e ao caráter formal de sua obra, mas não podemos afirmar uma intenção concretista, pois é visível que o artista valoriza mais os ritos e os cultos das entidades e símbolos do que uma preocupação estilística em si.

Por outro lado, Emanoel Araújo faz uma espécie de sincretismo da forma, também no campo da abstração, em que elementos justapostos de forma espontânea criam simetrias que, desassociadas de movimentos artísticos, podem se relacionar com o tecido — Arkila Kerka — observando a repetição de formas e padrões.

Por fim, temos os signos diretamente associados às religiões afro-descendentes, na obra de Deoscóredes Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi, estruturas ascensionais feitas de fibras adornadas por contas de búzios, sementes, missangas e tiras de couro formam esculturas representando a força intrínseca de entidades religiosas, o que também é visível nos Rosários de Martinho Patrício, onde seus fuxicos agrupados criam símbolos abstratos que indiretamente estão relacionados às insígnias de orixás.

Estes aspectos, no entanto, é uma livre associação pela semelhança de formas, como o tridente na obra Gigante dormindo e cachorro latindo, de Antonio Dias, que na Umbanda representa o Exu.

Observa-se enfim, entre as variadas gerações de artistas, a permanência e o alcance da plasticidade de uma cultura que mesmo tendo sido reprimida por centenas de anos pela forte imposição do catolicismo, chegando até mesmo a ser proibida, hoje emerge daqueles que preservam e renovam a tradição.

Gustavo Nóbrega
Novembro de 2016

Antonio Dias

Gigante dormindo e cachorro latindo, 2002
Bronze policromado
15 × 29 × 43 cm

Rubem Valentim

Pintura A, 1967
Acrílica sobre tela
50 × 35 cm