As rotinas diárias e a passagem do tempo são centrais na prática de Ana Amorim. A partir de decisões conceituais bem definidas, a artista registra, todos os dias, ao final do dia, Mapas Mentais dos caminhos que percorreu e documenta a passagem do tempo em performances públicas ou privadas, contando segundos, dias e horas. A sua própria experiência no mundo consiste na matéria prima para a obra: para a artista, não há diferença entre arte e vida.
Formada em Artes Plásticas pela Fundação Armando Álvares Penteado, [FAAP] em 1986, Ana Amorim viveu por longos períodos no exterior: é mestra em Pintura e História da Arte pela Ohio University, nos Estados Unidos (1989), e cursou o mestrado de Estética e Teoria da Arte na Middlesex University, no Reino Unido (1998-1999), e doutorado em Fine Arts (School of Maori Studies), pela Massey University, na Nova Zelândia (2010-2012).
Seu trabalho consiste na prática contínua do registro de Mapas Mentais em livros, realizados diariamente desde 1988, onde a artista traduz seus movimentos diários, traçando-os de memória ao final de cada dia. Este exercício, muito semelhante a um diário de bordo, alimenta outros projetos de forma regular e simultânea, feitos em suportes diversos que foram se expandindo ao longo das décadas. No mesmo período, a artista começa a registrar a passagem do tempo: em performances de Contar Segundos, ela utiliza marcas gráficas para contar, um a um, os segundos de uma hora — traçando uma linha sobre algum suporte — e, ao final de um minuto contado, anota o número total de minutos vividos até aquele momento específico.
Em 1988, a artista redigiu o primeiro de dois documentos fundamentais para a solidificação de sua postura enquanto artista, tanto frente ao mercado de arte, quanto em relação à sua própria produção. Em Decisões Conceituais (1988), Ana escreve que “eu entendia arte como uma sequência de experiências mentais e emocionais, profundamente enraizadas no meu entorno e nas relações importantes que estabelecia na minha vida cotidiana”. Este documento foi a estrutura conceitual do seu Projeto Performance de 10 Anos e elencava diretrizes para sua prática artística, estabelecendo, entre outros critérios: a duração de 10 anos do projeto, a realização diária de Mapas Mentais e a construção das Grandes Telas — grandes instalações que reúnem 365/366 Mapas Mentais produzidos ao longo de um ano inteiro. A artista também recusou-se a participar de exposições realizadas em galerias comerciais ou em instituições que cobrassem uma taxa de entrada. Como resultado desta decisão, duas coisas aconteceram: seu trabalho ficou fora de circulação por muitos anos, e, consequentemente, se manteve praticamente intacto.
No ano de 2001, Ana Amorim redigiu outro corpo de regras que seria basal para o desenrolar de sua carreira. A artista elaborou e passou a adotar um Contrato de Arte, que refletia suas convicções sobre a circulação e apresentação de sua obra no sistema de arte. Durante quase duas décadas, recusou-se a participar em exposições patrocinadas por empresas com condutas éticas questionáveis ou ter o seu trabalho associado a logos corporativos.
Usando sistemas de registro variáveis e múltiplos suportes, a produção de quase quatro décadas do trabalho de Ana Amorim evidencia o comprometimento da artista com o fazer diário e contínuo. Seu compromisso com sua arte e o rigor com o qual registra o seu viver é de uma poética única e singular.